Saturday, February 23, 2008

domingo. não me peças mais que um domingo.


um semi-sorriso à janela.

a mão vai dizendo adeus, naquele movimento que ninguém sabe de cor.
o pano de fundo é cinzento. esta chuva anda a dar-me dores de cabeça e eu não sei se aguento durante muito mais tempo.
vim o caminho todo a assobiar na rua e a esquecer que a calçada estava enlameada. gostava de ter vontade de usar luvas. ou cachecol. ou um gorro.
dispo o casaco e esqueco-me de parar para comprar tabaco.
-o tabaco está caro.
a vida está cara. os hábitos estão caros. a fruta está cara. o sexo está caro. o sorriso está caro. o cházinho vai ter que ficar por se beber. a água está cara. e olha, a das lágrimas também não pode ser de graça.
quando me esqueci de etiquetar o dia, o dia correu melhor.
quando abri o riso, foi humilhante.
uma pessoa esquece-se porque se está a rir, mas vai rindo na mesma. " ninguém pode estar infeliz o tempo todo" . essa foi a maior treta que já ouvi alguém dizer.
olha, achas que quando eu cair no chão vai fazer muito barulho?
achas que vou acordar os gatos que dormem no cesto da velha dos cortinados rendados?
achas que o pica do autocarro vai parar antes de recolher o passe à rapariga dos olhos azuis?
achas que o rapaz vai parar de tocar o clarinete?
achas que a menina vai parar de acabar os trabalhos de casa? as contas de multiplicar? as contas de dividir?
achas que se vai ouvir?
achas que se vai ouvir?
a rapariga dos olhos sorridentes diz que eu só digo disparates. a dos olhos tristes não tem falado comigo. elas são a mesma e só uma é que me acena do outro lado. não me olha nos olhos e tem medo do escuro.

o peso do Universo sacode-me para dentro de um pedaço de cartão. fico no meio dos furos. coseram-lhe um coração com lã vermelha.
acho que foi a minha prima que fez isso.
ela agarrava-se a mim e pedia-me histórias.
e eu contava.
ela agora toca piano e canta em italiano num coro, ballet, natação, equitação.
já não tem tempo para essas coisas quando me vê.

sabes, sinto-me velha. pus-me a sentir velha e amargurada. e é muito estupido passar os dias nesta solidão. tudo isto devia ser mais anormal, ou menos contagioso. "Catarina, tens que fazer um esforço." mas eu nem acredito nisso.
ontem o rapaz gato dos desenhos animados venceu a escuridão e acabou numa nave feita de conchas, na paz total do verão. da areia. do mar. do calor que tosta a pele. dos dias sem doenças.
tenho muitas saudades de nadar.
há qualquer coisa que nos liga ao mar. deve ser da infância desaparecida.

dói-me a cabeça.
e esperam que eu vá estudar.
tenho exame segunda-feira.

depois cortarei batatas e serei uma boa rapariga à mesa de jantar com os amigos dos meus pais.
cravo um cigarro e um filme qualquer. espero não sonhar com a sereia careca que está no carrinho de bébé, tapada com um lençol enquanto o meu pai bebe whiskey e baileys na cama e o meu professor de direito escreve uma lição de moral numa parede de um prédio.
calma, amanhã há mais.

amanhã.
há.
mais.

foda-se.









estou cansada de me lembrar dos meus sonhos.

3 comments:

Anonymous said...

nao estás nada velha, e o verão vem a caminho.

*

(mariana)

Bruno said...

um adeus, a meu ver, é o gesto mais bem decorado de todos...

infelizmente, nem sempre tens é como faze-lo.

*

Miguel said...

gosto de textos ao pormenor, deixam sempre uma ideia mais clara na cabeça.

mas a tristeza, a solidão, todas essas coisas. sim, não se pode ser sempre infeliz.

beijo