Friday, June 29, 2007

vamos bater palminhas e comer cigarros sem dizer olá.


no final de tudo,
ao querer ir para o raio que nos parta,
deixamos o suspiro mudo
quando tocamos o que não nos farta.
é que a mentira nisto tudo de se ser,
é tocar com as mãos em Deus
mesmo sem-se saber.
(ou os versos que são só meus.)

Thursday, June 28, 2007

"eu saio da fossa xingando em nagô."

saudades do que nunca vivi.

sempre foi assim.

.

Monday, June 25, 2007

mars is amazing...

panasonic youth. ^^

(já há muito tempo que não escrevo. mas lembrei-me disto, que foi a melhor coisa que me mandaram nos últimos tempos. rir é saudável, rir é saudável.)

Friday, June 22, 2007

grow my hair, I wanna be, wanna be, wanna be Jim Morrison.

gargalhada.

é agora que eu rebento com as veias dos braços e salto de vez para o eco do riso.

Monday, June 18, 2007

dizem que daqui ninguém sai vivo e eu acredito piamente em todas as letras de cada palavra.


olhos de ver.
nunca esquecer o que se quer dizer.
canta-me aos ouvidos como quando tinha idade para me perder unicamente na voz.
depois percebi.
depois entrei no jogo dele.
brincavamos às escondidas.
e oh... eu gosto sempre.
arrasta-me para o ar. para o chão do ar. e eu rebolo de braços esticados para uma imagem repetidamente colorida e monocromática ao mesmo tempo.
vamos andar numa escada rolante até ao céu vermelho de um final de tarde.
Debruçamo-nos numa cerejeira, igual à do meu jardim e roubamos-lhe uma das folhas vermelhas.
ameixas num cesto, casa do Amadeus Morte.
filmes a ver dentro do mostrar.
"mas tu não és eu."
senhores, são conversas de dois sentidos. sentidas. sempre. claramente. única visão realista do que é. e não é nada racional. mas já é real.
oh... ele continua a cantar-me aos ouvidos.
já em miúda era assim.
queremos um Deus outra vez. Divindades.
Eu já disse que a música é religião e podemos encontrar Deus na televisão, todas as vezes que quisermos olhar para nós.
eu gosto mais do número cinco do que do quatro, não pela simbologia toda. mas o cinco sou eu por favor, sou sim. ninguém quer teorias de papel de cartas a dizer o que se é.
cinco parece-me um bom número para um quatro.
senhores, isto são risos.
risos.
os risos são amarelo intlectual, mas eu gosto de o rebolar no chão do ar. já tinha dito.
a repetição de cigarros. chega-me cor-de-laranja e ninguém quer saber, pois não está cá mais ninguém neste pequeno mundo do ser e só saber ser. e eu descoheço a razão da razão consumir o tempo em pedaços de abismos cerebrais. eu encontro-me comigo própria numa rua de post-it mentais e abraço o amarelo mais uma vez.
sendo pouco intlectual.
é mais.
não sei.
irracional.


qualquer coisa me diz que é um coro que vai matar esta conersa toda.
(de volta ao msn então. só digo disparates.)






boa sorte ao Amadeus Morte...

Thursday, June 14, 2007

minimundo (houses of the holy)


smurfs?

Tuesday, June 12, 2007

Crazy you said. It's all in your head.

(andava há dias a pensar neste videoclip, não é muito habitual, mas fui atingida pela vontade de me rir. abençoado VH1. mais uma velinha rôxa para acender ao lado da Santa de plástico imaginária. vamo-nos comercializar e esquecer o resto...)

Sunday, June 10, 2007

3

Olha para a prateleira de vidro; garrafas dispostas geometricamente, distâncias iguais entre cada uma delas, ordenadas numa linha recta com o respectivo reflexo atrás e à volta um tetris de azulejos simetricamente azuis. suspiro. há um chão cinzento atapetado de beatas.
Pede o café. cotovelos no balcão. A velha que mexe no rabo com a mão esquerda, ajeita-se como pode com a mão direita com a máquina. com o pires. a chávena. colher e pacote de açúcar.
Suspiro. Um cigarro a acender e um "muito obrigado" mais entre-dentes que outra coisa qualquer.
Procura o dinheiro para pagar numa enorme mala cor de chumbo, não sabe da carteira. Pôrra!
Como é que é possível a mala de uma mulher tenha mais que os bolsos de um homem?
"Abençoado o mundo unisexo", pensa.
Abençoada a falta de sexo, os perfumes que cheiram a sabão azul, as batatas fritas de pacote e os palitos partidos na borda de um prato qualquer da Vista Alegre.
Dinheiro no balcão, um "ora, muito boa noite..." seguido de um trejeito idiota do lábio, herdado do pai; sair do café, bater com a porta, levantar a gola do casaco. em direcção à noite, menina. Diálogos de Novembro. Novembro é um bom mês para diálogos. Novembro que se arrasta desde as unhas dos pés a cortar até ao sorriso encravado com um cigarro na boca.

"Que raio de tempo! Raios partam os santinhos todos que chatearam São Pedro esta noite!"

- Sempre é uma noite clara. Vês o céu inteiro e podes-te debruçar nos salpicos de luz do pontilhado de estrelas.

"Poupa-me a poesia barata. Foda-se. Ando para aqui sozinha a ver se congelo no meio da rua de certeza... "

-Aproveita, então para respirar o ar gelado da noite para escutar o silêncio de uma rua vazia. É reconfortante estares sozinha aqui.

" Não há cá reconforto nenhum em estar sozinha... Ah! Devo estar louca! Até era capaz de me rir se não fosse assustar os gatos todos! "

- Os gatos têm mais medo do que és do que tu, sim, mas é só porque nascem cegos.

" Louca. Louca. Louca."

- Talvez, um pouco.

" É? será mesmo assim? Eu cá sempre me achei tão normal..."

- Para estares a falar comigo, é porque de normal não tens nada, minha querida...

" Odeio que me chamem isso... "

- Querida?

" Sim. Oh! Que giro... é a primeira vez que perguntas qualquer coisa! "

- Será provavelmente a única e última também.

Silêncio. Estanca o sangue das artérias com o frio gelado. Apressa o passo. Barulho em todos os degraus de madeira. Olhos esbugalhados de medo e portas vermelhas que não sabem sangrar. Medo interior. Medo exterior.
Razão suficiente para chorar compulsivamente por não encontrar a chave de casa. a porta é a única azul.
Alguém lhe abra a porta! Alguém lhe abra a porta! Alguém lhe abra a porta antes que ela se atire pelo vão das escadas, de cabeça, para um pescoço partido no rés-do-chão.
Salta da porta aberta para os pés da cama, onde se aninha em si mesma.
E um estranho que se aproxima pé-ante-pé e lhe pousa a mão no ombro; ela grita por dentro. grita e arranha o estranho homem, arranha-lhe a cara, o pescoço, o peito. Agarra-a pelos pulsos. Choro compulsivo.
- shiu... já passou... já podes dormir.
Embalou-a dos cansaços.
Sonha com cordeiros cor-de-mel. Flores feitas de borboletas. A Alice loira vestida de azul e avental branco. A pequena Sereia puxa-lhe os cabeços e ri-se ao lado do Dunga.
Acordar.
E ao lado da Santa de plástico acende uma velinha rôxa pelo Walt Disney.
Encontra-o na casa de banho a desinfectar o peito. beija cada ferida com algodão embebido em alcool. E no lavatório um copo de gin.
Ela senta-se na borda da banheira e ele observa-a através do espelho.
É hora do pequeno almoço.

Saturday, June 9, 2007

oh well...









smoke on the water... sounds familiar.

Friday, June 8, 2007

but we're older should be wiser.


...Stupidity will only secure
some time away
And interest in this is just
acted out vague...

Wednesday, June 6, 2007

fazes-me falta.


Sempre fui nostálgica, sobretudo do que não chegou a
acontecer. Dos deslumbramentos a haver. Concentra-te na
felicidade, para que eu possa existir nela ainda contigo. Eras
diferente da maioria das pessoas da tua geração nessa
disponibilidade para o novo. A História é uma escola de
optimismo - apesar de tudo, sim, apesar de tudo. O Fernando
Savater dizia que se teria recusado a nascer antes da invenção
da anestesia, lembras-te?
Partilhavas comigo essa alegria de verificar as melhoras do
mundo - não é a vida hoje infinitamente mais amável que nos
tempos da escravatura, da inquisição ou do nazismo? Outros
argumentavam que ainda existem escravos, inquisidores, nazis,
vítimas e torcionários. Mas nós respondíamos, incessantemente,
esta verdade simples: eles existem, mas nós sabemos. E
sabemo-lo porque já não partìcipamos dessa selvajaria.
Domesticámo-nos. criámos leis e direitos e esforçamo-nos por
os tornar universais.
Olhávamos à nossa volta e não víamos o tão apregoado deserto
de valores, excepto na boca dos que mais o denunciavam. o
vazio era, para nós, esse consenso de estereótipos sobre um
passado mítico. Antes-da-Queda-da-Alma. Como se as almas
caíssem à água num raid coreográfico simultâneo, afogando as
suas toucas de flores e pernas altas em tanques
estherwillianamente iluminados. Como se a alma não fosse um
vício, e por isso resistente, coisa que até a esbranquiçada
Fanny Owen podia agustinianamente descortinar.
Como se vazio não fosse, desde tempos imemoriais, o nome
atribuído, em pânico, ao florescer do novo, de novo
regressado.
Criara-se uma rede internacional de Pregoeiros dos Valores
Mortos - Altas Autoridades disto e daquilo, com automóveis,
gabinetes e altíssimos salários para decidir dos limites da
moralidade nas mais variadas áreas. Pessoas que se habituam a
fazer coincidir o seu pensamento com o daqueles que lhes
pagam, e se julgam honestamente inocentes e livres. Mas em que
outra época da História se falou tanto de Ética?

Em que outra época nasceram tantas associações de defesa das
crianças, dos deficientes, das mulheres, dos animais, dos
presos e dos condenados à morte? A Filosofia da Decadência,
tão em voga, parecia-nos apenas a variante democrática da
Filosofia da Ditadura. Uma forma de podar a inteligência
criativa: abriguem-se, meus filhos, que o mundo vai acabar.
Não se passa um dia, nestes anos de fim de milénio, em que
um Grande Vulto Criador não proclame, diante de uma euforia de
câmaras e uma audiência sôfrega, que a literatura, o cinema, o
teatro ou a pintura estão a morrer. Vejo-os, solenes,
destinando o naufrágio épico das suas iluminadas posteridades.
Infiltro-me no ar transpirado de um café em fim de tarde, e há
uma mulher de quarenta e cinco anos, abatida pelo contínuo
esforço cirúrgico de não ter mais do que vinte e cinco, que
acende um cigarro e diz:
- Ah, os jovens já não se apaixonam como nós nos
apaixonávamos.
Vinte anos antes dela, outra mulher de quarenta e cinco
anos, muito mais velha porque a cirurgia ainda não tinha
evoluído, diz:
- Ah, nós apaixonávamo-nos de uma maneira muito mais forte
do que estes jovens de hoje.
Nós nunca dissemos: Ah, no nosso tempo. Ah, os jovens. Nós
nunca nos deixámos mastigar pela versão retocada dessa
ideologia velhíssima que confunde transformação com
degenerescência. Eu queria, quero ainda, agarrar um sentido,
costurar as histórias, fazer da História um mar inteligível -
e tu ralhas-me, com razão, uma razão que fica sempre aquém
dessa ciência impossível que tacteio.
Se as vozes se pudessem expor como a roupa dos anúncios de
moda de que tanto gostavas, tu sozinho compunhas o catálogo
completo dos tons masculinos. Abres cada uma das vogais até à
máxima frivolidade, fecha-las de repente para assobiar os
ésses à maneira das cobras indomesticáveis. Depois vais ao
fundo do corpo buscar a melodia lenta dos sentimentos, que
passeias em cintilações opacas sobre os olhos de papel. Assim
intermitentemente iluminados, os teus olhos desfiam a lista
completa dos personagens que viveste. Deitas a voz em mil véus
sobre as palavras, porque sabes que o discurso falha - um grão
de vaidade, duas gotas de mentira, uma rodela de pudor. "Que
se lixe", dizias. "O tanas", dizias: "De tanto espremeres a
vida, acabas espremida, cachopa. E já não tens muito por
onde." As palavras contrastavam-te brutalmente com os lenços
de seda italiana. Enganam e consolam, as palavras. Como a
seda.
Ando à caça de palavras resplandecentes, tropeço nelas
dentro e fora da vida, interpreto, magoo-me, interpreto outra
vez, sujo-me, borro a pintura da cara que não tenho, das caras
que fui desenhando sobre a cara que me faltou - mas ah, os
jovens, nunca. Nunca soube o que eram "os jovens", nunca soube
o que era "o meu tempo".
Chegava sempre tarde a todo o lado, lembras-te?
Provavelmente para chegar mais cedo à morte. Morri tantas
vezes antes de morrer - morri sempre que o amor parava, e o
amor estava sempre a parar dentro de mim. Parava e crescia,
comia tudo o que eu sabia. Eu imaginava frases novas como
barragens contra essas vagas que me levavam. Mas as barragens
caíam, eu voltava morta à praia, renascia a tremer de frio, na
noite marítima. Então construía de novo a minha barragem,
agarrava-me aos meus mortos passados, presentes e futuros,
envelhecia e renascia, engelhada e sôfrega. Falava. Falava
incansavelmente do que sabia e do que desconhecia, esperava
que me mandassem calar para ouvir apenas o vento das palavras
definitivas dançando como um louco descabelado nesse opaco
interior do meu corpo.
Onde está agora o amigo imaginário da minha infância
solitária? Morava-me no fígado, nos pulmões, no estômago e no
sangue.

Sempre que me sentia mal pedia-lhe que consertasse os
fusíveis, que me limpasse as entranhas esburacadas, e ele
obedecia. O caos era temporário, porque esse amigo imaginário
existia, conferindo realidade à minhavida. Há tão pouca
realidade numa vida - bocados desgarrados de história, pedras
voando pelo ar, chocando-se na estratosfera, curto-circuitando
os nossos propósitos. Amava esse curto-circuito, provocava-o.
Para que a perfeição pudesse atingir-se com um só jacto de
riso - louca brincadeira de um Deus trocista e permissivo. Ah,
os jovens só pensam em sexo, dizem os que só pensam em sexo,
já não sabem amar, dizem os que já esqueceram os nomes dos que
amaram, os que só amaram nomes, os que só.
Tu não estás só - não me sentes, real amiga imaginária?
Distribui a dor que te deixei pelos famintos de dor, meu
querido, pelos que não experimentaram ainda a mobilização do
sofrimento. Faz-me existir nesse trabalho de conferir beleza
aos dias póstumos. Havia uma criança abandonada chorando por
detrás de uma porta, no centro da nossa cidade. Havia uma
criança que acabou por morrer de fome, arranhando a porta, sem
que os vizinhos, ouvindo esse choro incessante, se movessem. E
se nessa criança habitasse o segredo derradeiro da teoria
quântica? Há tão poucas pessoas cujo talento possa salvar-nos
- e nem sequer sabemos descobri-las e salvá-las. Consolamo-nos
na beleza imediata das coincidências, escapa-nos a beleza
catastrófica dos acasos. Os herdeiros dos Incas vendem
fissuras de sorrisos em Machu Picchu - crianças que gastam
toda a inteligência nas moedas da miséria, pés mordidos pelo
frio, abraçadas a lamas, andrajadas nas cores brilhantes de
que os turistas gostam. Se Einstein tivesse nascido nas
montanhas mágicas do Perú, teria tido oportunidade de nos
oferecer a nossa relatividade? A surdez para o sofrimento dos
acasos permanece no centro da nossa tão sofisticada ciência
animal. Cada lágrima que choras por mim, fechado na tua casa
de silêncio, representa um dia a menos na vida da próxima
criança que vai morrer lentamente, na requintada Europa, sem
ter sequer conhecido os prazeres da vida. A mãe foi
surpreendida a meio de um negócio de heroína, e telefonou da
prisão, em voz baixa, a um amigo, para que fosse buscar a
criança a casa. O amigo não estava, ela deixou recado num
telemóvel que o amigo já não usava, porque não tinha dinheiro
para o recarregar. Uma funcionária da prisão ouviu o recado
secreto dessa mulher que preferiu arriscar a vida do filho a
perder a sua posse.
Vem na Bíblia, sabes, questão de decisão salomónica - por
mais que não queiras está lá tudo. Então a funcionária da
prisão enviou um fax muito eficiente e com menção de urgência
aos Serviços Sociais, solicitando-lhes que fossem rapidamente
ao domicílio da arguida resgatar a criança sozinha. Deu-se o
acaso de a responsável pela distribuição de faxes estar de
férias. A chefe do serviço, assoberbada de trabalho, irritada
com o excesso de calor e a preguiça doméstica do marido,
deparou-se com um monte de faxes caídos no chão, deu-lhes uma
vista de olhos global e atirou-os para o caixote do lixo, sem
reparar no fax com menção de urgência.
Esta sucessão de ínfimos acasos fez com que um bebé de nove
meses ficasse entregue a si mesmo, à fome e à sede, num
apartamento europeu, até que os vizinhos alertassem as
autoridades para o mau cheiro que vinha daquele piso.
Mas tu, porque caminhas para a morte e agradeces à ordem
natural das coisas cada um dos teus dias de sol, dirás que a
culpa é da organização da sociedade. Dormirás tranquilo,
aninhado no conforto da falta que eu te faço. Morrendo
devagar, partícula a partícula. Ouço o som da morte na tua
pele, livro que se encarquilha na câmara húmida do tempo. Os
teus órgãos arrefecem - há quanto tempo não te arde o coração?





( hoje acordei com vontade de mim. o que é bom, para uma pessoa que tem chocolate debaixo das unhas e uma dor de cabeça do tamanho do mundo.)

Tuesday, June 5, 2007

Sunday, June 3, 2007

and then you smiled for a second.




gostava de não ter saudades dos sorrisos todos que já passaram pela minha cara, mas é só domingo e eu procuro na gaveta um bocadinho de uma qualquer coisa diferente. de vez em quando é assim. eu já sei. mais uma vez. é domingo. e só me apetecia mastigar nuvens em vez de continuar a ter nós na garganta.

Friday, June 1, 2007

2


Morcegos cor-de-nada esvoaçam na luz alaranjada dos candeeiros da tua rua, enquanto a lua cheia se dilui, sorrateiramente, na mancha negra das árvores. Desdobrado, o azul do céu nocturno, é mais claro que a noite que as crianças pintam de negro, com guache, na escola primária.
Entoam-se músicas infantis nos passos apressados.
Sádicas como o capuchinho vermelho, mais bonitas que a Branca de Neve, descalça, morta, num caixão de vidro. Versão francesa. De quem não sabe escolher palavras melhores e ainda assim só diz coisas acertadas; falta de uma caneta a meio do sono perdido.

Au clair de la lune, mon ami Pierrot/ Prête-moi ta plume, pour écrire un mot.

Um homem grita, capado, à varanda. Pagava a meninas favores pouco inocentes contra a parede fria de becos mal iluminados. Uma delas entrou-lhe em casa às 10:00 da manhã e não foi de modos.
Enquanto isso, nós passeavamo-nos pelos transportes públicos até chegar ao lado certo de uma vida. Simples como dinheiro a depositar no banco. Papel com nome. Pedaços de metal redondos, com relevos; são só armas públicas a ser usadas num jogo de futebol. Um árbitro de cabeça partida depois de um grito. FODA-SE!
Os olhos de uma criança mostram uma imperdoável amargura. Falta-lhe o tacto. Além do mais, cortaram-lhe as cordas vocais quando tinha cinco anos. Perdeu dois dedos. Um, comido por um cavalo, outro já não se lembra bem como foi. Cresce. Toca piano. Memoriza a letra da canção, a caminho de casa, enquanto conta pastilhas elásticas coladas no chão.
Brancas.
Avermelhadas.
Fios de veludo fazem-lhe cocegas no ponto final da sua memória; de tempos em que não tinha o cabelo curto e andava nu pela praia, nas férias de Verão, de mãos dadas com a irmã, também ela nua. Para a água, para a água! Ondas a rebentar dentro do nariz; o sal só a ser aspirado quando a água doce toca a pele ao final da tarde.
Maçãs e iogurte, mais apurados, é uma questão de sal na pele e areia. Ou sol. Não se recorda. Encolhe os ombros, porque tanto faz o que quer que seja, não é verdade?
Pouca luz. E lá encontra a chave de casa no bolso direito do casaco, esconde logo a seguir o isqueiro dentro da meia. Pai polícia, paranóia perpétua.
Esconde-se no vazio dos próprios passos, até ao silêncio do quarto.
O pai, com idade de avô, masturba o intlecto com discos riscados e livros de papel a sério. Papel com tacto. Folhas que se agarram aos dedos. Lágrimas amarelas encadernadas.

Au clair de la lune, Pierrot répondit / Je n'ai pas de plume, je suis dans mon lit.

Finge que dorme. Suicídio de olhos abertos, todas as noites. O som de um violino a fugir-lhe. Lentamente. Como um tiro que não é automático. Que se repete e se arrasta.
Tudo, para depois enfiar a cabeça na almofada e ver estrelas de todas as cores. Mas tudo é negro de olhos fechados. Tudo se torna negro. E só assim vê a claridade dos seus passos na rua a caminho de casa.
Brinca ao faz de conta com uma rapariga e delicia-a com sopros no ouvido. Palavras que ouviu alguém dizer. A música. O plágio.

« Qui frappe de la sorte ? », il dit à son tour/ « Ouvrez votre porte pour le Dieu d'Amour »

Senta-se ao colo dele e veste-se-lhe um sorriso, com a certeza de que não há nada mais belo que a noite azul que os disfarça. Dos gatos. Bate palmas porque é surda.
Um amor poético, O sentimento a acompanhar o prato principal: o sexo. Poesia nua e primitiva num banco de jardim.


En cherchant d'la sorte je n'sais c'qu'on trouva/ Mais je sais qu'la porte sur eux se ferma.

Troca-lhe a chave de casa, para que a procure no lado direito. Sonha que ele desconfie que foi ela. Imagina-lhe sorrisos que nunca vão nascer e saudades que ele nunca há-de ter.
Para depois em casa, ficar acordada a ver as televendas, enquanto fica à espera da queda.
Cada minuto como uma overdose.
E o querer aterrar de pé.