Friday, May 30, 2008

4

-um dia deixo-me ficar no chão, ouviste? - mas é claro que ninguém a ouviu. andou de um lado para o outro, enquanto esfregava creme das mãos nos cotovelos. andou de um lado para o outro e ele no sofá, a olhar-lhe os pés em sangue e o rasto no tapete. sem ouvir uma única palavra.
os rodopios lunáticos ainda presentes em cada nódoa negra.
os rodopios lunáticos a emergirem dos olhos a pressionarem a vertigem no estomago.
um relógio tique-taqueia-lhe no tornozelo e ele desprende a gravata do colarinho, retomando o sufoco do pescoço livre, um buda de plástico sorri na caixa dos botões, a verdade das coisas ecoa no vazio.



ele come-lhe as mãos e ela autoriza, como a criança que é.

depois veste as calças e diz que a respiração dos ausentes ainda lhe enforca o pescoço. tem mais que fazer à vida. tem mais que fazer ao tempo. ele não sonha com beijos no fundo das costas, são sempre puzzles complicadissimos e ela, por vezes, não tem paciência. atira um garfo para dentro do microondas - a explosão tarda-lhe os pensamentos.
a paixão vem a conta-gotas. numa cavidade oca o sangue é bombeado sempre no sentido do amor. respira fundo e destrói a razão. respira fundo e gera calor com o corpo pela proximidade.

- um dia destes, deixo-me ficar no chão - pés em ferida - um dia destes - começo de um breve momento de sanidade a anteceder a loucura - um dia - não a mastigues como o resto de comida nos teus dentes - destes - deixa o silêncio entrar e desaparecer, ao fim ao cabo, "tu não estás aqui, isto não está a acontecer"; a ficção toma um rumo real dentro da fantasia. dois gatos abraçados num parapeito, mordem a cauda um do outro. um deles foge e apanha um melro, pressiona-lhe a garganta e do bico saltam dois ovos azuis.

o acaso seria extraordinário se existisse. o caos é a redoma na qual apoia os cotovelos, besuntados com creme para as mãos.

deita-se no chão da cozinha e adormece ao som dos passos de fuga de um fantasma.





Tuesday, May 27, 2008

5


Mesmo
uma linha
recta
é o labirinto
porque
entre
cada dois pontos
está o infinito

Adília Lopes

Tuesday, May 20, 2008

"quem pagará o enterro e as flores/ se eu morrer de amores?"

pois sim, a propósito de nada, só por ser parte de mim.

Sunday, May 18, 2008

apinup.jpg


(perneta)

paint e tédio 3.

Wednesday, May 14, 2008

5

"c)


entanto sou um pássaro atirado no vácuo do remexer
[quente dos dedos, as
balas roçam o ventre da carlinga (sagres imperial,
ó fino! - com um cheirinho a shelltox) e rio:
rir, rir, rir e rebentar, de espingardas engatilhadas, até à
súplica inerte, até à santa histeria, dos aleijadinhos,
[grandes macacos podres,
até ouvir o coar dos vagidos das crianças mordidas
[por longas víboras,
como a charanga das máquinas nas fábricas com
óleo nas cremalheiras e areia nos parafusos.
estou de pé entre dois comboios com duas lésbicas na
[botoeira
e uma mala oculta cheia de sabões à guisa de poeta.
quer dizer, espero fazendo do sítio uma estação, um
[apeadeiro
(diga-se, uma sanita pública entupida de merda)
por aqui e por ali desmultiplicam trombis de criança
que berram nos colos pela flácida teta de pionés,
pela bofetada, num tasquinhar de velhos entre vírgulas.
no mapa não vem indicado certamente o seu morder
[lúbrico,
de certo modo derradeiro, asfixiado. -
paz à sua alma!
e fazem-se ninhos ao pé de relógios de sol - e
alimentam-se de queijo,
quais ascetas no bairro alto perante as suas ninfas de
[água doce.
(PASSAM MARINHEIROS,
PASSAM MAGALAS,
PASSAM MARINHEIROS,
PASSAM SOLDADOS,
PASSAM AS VÁLVULAS DOS SACOS DE ÁGUA
[QUENTE,
PASSAM OUVIDOS ASSALARIADOS,
PASSAM O POETA DE TANGA
PASSAM AS PUTAS QUE ALIMENTAM ESTA
[CANALHA,
PASSAM COURAÇADOS,
PASSA A GARRAFA DO BAGAÇO,
PASSA A MAÇANETA DO AUTOCLISMO,
PASSA NOÉ DE ARCA NO BOLSO DE FIACRE,
PASSO EU COM CARA DE PARVO
E PASSA A ALICE DO CARROLL,
PASSA DE CERTEZA O ESCUDO INVISIVEL,
PASSAMOS TODOS FARDADOS,
PASSAM MARINHEIROS,
PASSAM CÃES,
PASSAM MOCADAS,
PASSAM MARINHEIROS,
PASSAM SOLDADOS.
HÃO-DE PASSAR SEMPRE SOLDADOS -
no momento seguinte apareceram os soldados correndo
pelo bosque, primeiro em filas de dois e três, depois de
dez e até vinte, e por fim em tal número que pare-
ciam encher toda a floresta. alice escondeu-se atrás de
uma árvore com medo de ser esmagada e ficou a vê-los
passar. pensou que nunca na sua vida vira soldados a
marchar tão mal; estavama constantemente a tropeçar em
tudo e quando um caía, outros se lhe seguiam de tal
maneira que o chão ficou, em breve, coberto de homens. "
Paulo da Costa Domingo

Monday, May 12, 2008

4


este fez-me sorrir.

Sunday, May 11, 2008

3















a luz eléctrica alaranjada estende-se pelas paredes cor de mel. um gato mia lá fora e o dia está cinzento. o meu subconsciente enrosca-se numa neblina de recordações.




- ... então fiquei sentada a ouvir músicas que não ouvia há anos, depois achei aquilo muito estranho e fui tomar banho. acabei por vestir uma camisola preta que encontrei na confusão do meu quarto. não demorou muito até ir buscar o eyeliner. sabes, não tinha um destes assim há muito tempo, daqueles em que se volta atrás e nos lembramos das pessoas todas que já passaram, começamos a achar que a nossa vida não é assim tão vazia. as coisas acontecem em ciclos ou em ondas. quando digo ondas, falo de mares. mas também podem ser as fases. que disparate, é a mesma coisa. de qualquer forma, fiquei a cantarolar e não resisti a sorrir um bocadinho e a sentir uma certa nostalgia. deitei-me de barriga para cima, na cama e acendi um cigarro, fechei os olhos. tenho os cds todos riscados e perdi muitos. foi estranho. de qualquer forma, gosto mais disto agora. não me sinto deprimida, às vezes ainda ando triste, mas não me sinto deprimida. não quero morrer nem nada do género. acho que mudei em bastantes aspectos e não me importo. não me importo de crescer e perceber o que se passa, embora não consigo deixar de viver em mim, mas eu sou uma filha-da-puta de uma egocentrica. também, raios me partam se não consigo ser feita de contrastes! melhor assim... e pronto, li algumas coisas velhas que me pareceram novas; depois apeteceu-me procurar amigos antigos e não fui capaz de entrar em contacto com quem quer que fosse. sou naturalmente ausente. cansei-me e andei por aí à toa. depois fiquei sem tabaco e voltei para casa.






- e que é que fizeste depois?






- o mais difícil, fui tirar o negro dos olhos.




Saturday, May 10, 2008

2









havia uma rapariga de franja que dizia que "não é que estejamos perdidos, simplesmente já não temos para onde ir."; já não sei se ela se lembra disto ou se foi mesmo ela que o disse ou escreveu, mas também já não tem franja. portanto, não interessa muito.


o tédio é o peso do tempo no meu corpo e eu luto diariamente contra a monotonia, que me arrasta para o lugar-comum, que no fundo, é um ralo de banheira.
havia, há algum tempo uma qualquer energia que me ia correndo e que me ia possibilitando a entrada noutras dimensões, que não as minhas, e eu gostava, o desconhecido seduz, mas dou por mim, olho à volta e penso que esta casa não é minha. este espaço que ficou entre os nossos corpos abandonados ao sono não se atreve a dar-me a paz sensata e causa-me náuseas (ou só lágrimas que vertem no interior).
encosto-me contra uma parede, para entender como seria caminhar no tecto da minha vida e não consigo mover os pés, deixo os cigarros a queimar o ponteiro grande do relógio, mortos à frente de um filme qualquer, onde grandes martelos caminham como um exército e um homem derrete entre auroras-neon dentro de um carro por ver demasiada televisão. lá fora, ouço a gente na rua e não deixo transparecer nem metade. beijo-te o rosto. sorrio.
sorrio porque quero criar raízes para poder chegar com os ramos ao céu, mas é tão dificil que chego ao ponto de querer desistir.
tenho gritos e murros na garganta e nenhum tempo apropriado dentro de mim seja para que circunstância for.
deitar-me-ia com os pés de molho, se continuasse a correr todos os dias, mas apetece-me passear, tudo é uma galeria de arte e eu fico exposta aos olhos mudos. eu acredito que se falem de milhares de coisas, mas nunca sei fugir ao universo.
sinto-me tão presa ao que nos governa que finjo que até é "normal".
como se com a cabeça submersa fosse mais fácil lidar com tudo. oh, não vês que não é pela facilidade? é um conforto.
como o sofá, as televisões, a música, os livros, as aspirinas, os talheres, a vida a dois e cigarros & copos d'água.
a única coisa que quero que não desapareça daqui é esta luz e o teu som.
não quero a asfixia.


nem acordar dos sonhos, assim, aos pedaços.


Thursday, May 8, 2008

choro experimental

curta muda cega

(e agora vou fritar batatas)

Wednesday, May 7, 2008

" Mas quem vencer esta meta, que diga se a linha é recta. "

ouço-o tão perto da nebulosa interior que me apetece atirar pedras aos leões.

terrível o Imperialismo por ser tão fácil de consumir.

terrível debaixo dos dedos, já. aqui.

Monday, May 5, 2008

1


tens o fim-da-civilização nas tuas mãos e eu dou-te as minhas.

Sunday, May 4, 2008

Jesus loves you (everyone else thinks you're an asshole)

as fotografias antigas enchem-me os olhos de lágrimas que eu já não posso dar a ninguém.




já não conheço aquelas caras. há um silêncio muito cruel aqui. mesmo assim, deixo-me no pijama vermelho e repito mentalmente que nunca mais corto o cabelo curto. nunca mais.
mas é muito tempo.
havia uma rapariga que me dava vontade de chorar. acho que já não existe. procura-a no espelho e só encontro a minha estupida cara a estranhar o que está deste lado.
hoje tenho que estudar e a vontade de ficar a fumar o resto dos cigarros sem fazer nenhum parece-me muito mais atraente do que ir ver o que o Bessa nos deixou para ler.
tenho vontade de sair daqui, também. de não tomar conta de mim.
o dia está tão azul e claro que me esqueci de perguntar-lhe quando é que volta.
hoje é domingo e os meus pais estão numa praia qualquer e eu tenho a casa num caos.
tenho muita vontade de sair daqui e de falar com velhos amigos.
sussuram-me ao ouvido que não nos devemos agarrar aos momentos passados.
isto hoje é doentio.

tenho que me esquecer de que o meu cabelo está curto.
vejo que o silêncio se torna insuportavel à medida que o tempo que nos deram a engolir passa a conta-gotas.
procuro o club kid e aquela que pintava o cabelo, a rapariga das asas verdes e o sorriso triste e matreiro do rapaz-gato, da rapariga-liberdade e do rapaz que se esquece do caminho de casa comigo, do meu irmão-que-não-é-realmente e do que me sabe dizer o que se passa (mas que passa o tempo sem saber o que lhe acontece dentro da caixa-forte).
tenho saudades do meu amigo do meio.
a menina-palhaço está quase a chegar e isso reconfortame
de procurar no meio das árvores conversas que nos iluminam em parte e nunca nos deixam na mesma. de atirar mais uma garrafa ao mar com textos bêbedos. de oferecer flores. de pintar as unhas. e de cantar em ruas mais escuras que iluminadas.
preciso da inebriação divina e pá, isso é terrivelmente deprimente de se pensar, ou só terrivel.
é que já não sei há quanto tempo é que não me perco no ar.
tenho que esquecer isto tudo rapidamente e mover-me.
tenho que esquecer isto tudo.
e mover-me.
foda-se tenho saudades nostálgicas. que filhice-de-putice.



hey, quanto tempo aguentas dentro da tua cabeça?




pego em tinta e cartão, em lápis e desenho paisagens com um pénis gigante à mistura.
pego na minha máquina mas já não sei para que lado hei-de virar a objectiva.
encontro a super 8 do meu pai e não sei que raio hei-de fazer com isto.
o futuro cai-me nas mãos e eu só quero bater nas pessoas.
ou em mim, que no fundo é a mesma coisa.

esta casa cheira a banho e tabaco. o meu irmão toca guitarra e ouço os simpsons lá em baixo.
eu não sei porque estou aqui.
verifico as notas do dia anterior.
aperto a mão aos meus fantasmas e esqueço os cigarros no parapeito da janela.

vou viver um bocadinho e afogar a apatia dos domingos e rir-me dela a sufocar dentro dum saco de plástico.

no fundo, prefiro estar em movimento e ir chorando a não fazer um caralho.